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Deu no South China Morning Post: chineses também querem responsabilidade socioambiental

Deu no South China Morning Post, jornal chinês pertencente ao bilionário Jack Ma, do AliBaba: a crescente dependência chinesa do abastecimento de soja brasileira é um potencial desastre para os povos e floresta amazônica. A preocupação mundial com a manutenção da Floresta Tropical não é novidade. Os consumidores querem garantias de que seus alimentos não foram produzidos à custa de sacrifício ambiental e humano. Porém, essa vinha sendo uma cobrança especialmente de países europeus e de outros nichos de mercado no mundo desenvolvido.

A resposta comercial à exigência de boas práticas ambientais e sociais hoje são as certificações: garantia dadas por organismos especializados de que o produto vendido é oriundo de processos agrícolas e industriais sustentáveis. Ou seja, de que está de acordo com indicadores pré-definidos de responsabilidade socioambiental, como por exemplo as normas ProTerra, ProFarm ou RTRS. Atualmente, cerca de 5 milhões de toneladas de soja produzidas no Brasil são certificadas. É uma pequena parte da produção nacional, menos de 4%, que acessa mercados mais exigentes e recebe prêmios financeiros por tonelada, por isso. Nosso maior comprador de soja – que absorve mais de 70% de nossas exportações do grão, além de ser maior importador de carnes brasileiras – ainda não demanda tais garantias.

A grande novidade, reforçada pela reportagem publicada no jornal chinês no início de junho, é o discurso em favor de responsabilidade ambiental e social vir agora da China. Não é pouco, em um regime fechado e avesso a críticas internas, uma publicação apontar o dedo para o capital e o Estado chinês, corresponsabilizados pela devastação da Amazônia brasileira. Mas também não é a primeira vez que esses sinais são dados. A COFCO International, gigante do agronegócio chinês com presença global e receita anual de US$ 31 bilhões, já tinha se posicionado nessa linha. O Fórum Econômico Mundial trouxe, além do problema da desigualdade social, o do desmatamento para o centro da discussão no ano passado, com participação de vários cientistas chineses e membros da Chinese Meat Association.

São sinais frequentes que o Brasil precisa decodificar. A saída é o diálogo estreito com a China, mas os movimentos recentes do atual governo brasileiro não foram nessa direção. Infelizmente. Cabe aqui perguntar a quem interessa indispor o Brasil com seus maiores clientes, em termos geopolíticos. Ouvidos moucos para o novo contexto é o pior que podemos fazer. A agricultura brasileira já deu passos imensos em direção à sustentabilidade. Vencemos o desafio épico de aprovar um Código Florestal e aplicar o Cadastro Ambiental Rural em mais de 5 milhões de propriedades do país. O caminho agora é dar mais um passo, com os governos estaduais implementando os Programas de Regularização Ambiental, que serão um desafio maior ainda.

É verdade que a imensa maioria dos produtores rurais é guardiã do meio-ambiente, que mantemos ainda intactas 61% das terras nativas, enquanto na Europa restam poucas florestas nativas. Por isso mesmo, não devemos ter medo de enfrentar o assunto, nem o ignorar. Junto com segurança alimentar e rastreabilidade, Mudanças Climáticas devem estar no centro das discussões de um mundo pós-pandemia. Por medo de eventuais barreiras, corremos o risco de perder espaço junto aos nossos grandes compradores.

Por que não negociar com os chineses e com o mundo mecanismos de investimentos para proteção das nossas florestas, aumento da nossa produtividade, armazenagem, logística, para que não tenhamos de expandir desmatando novas áreas?

Simplesmente seguindo as diretrizes do nosso Código Florestal e com projetos de recuperação de floresta nativa em áreas desmatadas ilegalmente, o Brasil tem capacidade de passar de emissor líquido de Gases do Efeito Estufa (GEEs) a sequestrador líquido. Se conseguirmos demonstrar que os cálculos padrões de emissões do setor agropecuário, feitos com valores default, não condizem com a realidade da agropecuária brasileira – a qual opera com muito menos emissões de carbono do que a média global – temos condição de alavancar nossa imagem no mercado global.

Nesse sentido, a Fundação ProTerra, estabelecida na Holanda, desenvolve um projeto de cálculo de emissões com valores reais, na agricultura e indústria, para defender a produção brasileira especialmente no mercado escandinavo, onde o concentrado proteico de soja é usado como ingrediente na ração de salmão e outros peixes. A mudança de uso da terra é o fator que mais incide sobre o índice de emissões da produção de salmão no norte da Europa. Isso se correlaciona com outras indústrias que usam a soja brasileira em ração de aves, suínos e produção de laticínios.

Outro fator estratégico é a recuperação de áreas degradadas para torná-las produtivas na agricultura – mudança de uso da terra positiva. Uma política pública nesse sentido pode dobrar – ou até triplicar – a produção agrícola brasileira sem desmatamento. Em diálogo com a WWF Brasil, fica nítido que o maior impedimento a isso tem sido o valor das terras no Centro-Sul do Brasil, o que sinaliza necessidade de política pública com inteligência estratégica.

Boa parte do setor produtivo e governamental ainda prefere ter ouvido seletivo aos sinais da China. Adotam uma postura defensiva e negacionista. Em vez disso, deveremos demonstrar nossos avanços em firmar compromissos socioambientais, exigindo contrapartidas financeiras. Afinal, se apenas cumprirmos com nosso próprio Código Florestal, já estaremos adequados a mais de 90% do que algumas certificações exigem.

Nossa agricultura está muito mais próxima de cumprir exigências socioambientais – sejam europeias ou chinesas – do que imaginamos. Mecanismos de garantia disso, como as certificações independentes ou outros compromissos multilaterais a serem pactuados, existem. O produtor ou indústria que não enxergar essa realidade corre o risco de ficar para trás. Da mesma forma, se o governo brasileiro não der os passos em direção a assegurar o que o mundo pede, o agronegócio brasileiro corre risco de avançar muito menos do que tem potencial, e se tornar um figurante geopolítico, em vez de protagonista.

A exigência não vem mais de um nicho ou canto do mundo. É o novo normal, começa a impregnar um mercado consumidor de mais de 1 bilhão de chineses, cuja classe média é maior do que a população brasileira. A pergunta agora é: estamos preparados a mostrar cumprimento com a nossa própria legislação, dar ao consumidor global as garantias que ele exige, e capitalizar em cima disso?

Augusto Freire
Diretor Executivo – Programas Globais de Sustentabilidade FoodChain ID
e Presidente do Conselho da Fundação ProTerra

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